quarta-feira, 13 de junho de 2018


CABO VERDE, SECAS E CRISES NO PÓS INDEPENDÊNCIA – A CRISE 2017/2018
A divulgação do Boletim Trimestral da FAO “Perspetivas de Colheitas e Situação Alimentar” em Junho de 2018 levantou uma onda de intervenções políticas em Cabo Verde com o Governo a dizer que Cabo Verde não está em situação de risco alimentar e certas oposições a tentarem tirar proveito das notícias veiculadas, enquanto outros (comentadores) também lá vão tentando meter sua colher no prato. De facto, o que a FAO disse foi o seguinte:
Cabo Verde
Poor performance of the 2017 agro‑pastoral cropping season caused significant loss of livelihoods
                  According to the March 2018 “Cadre Harmonisé” analysis, about 192 000 people, 35 percent of the population, are estimated to be in need of food assistance from March to May mainly due to pasture and agricultural production deficits. This figure is expected to decrease to 80 000 people during June to August thanks to the onset of the rainfalls. “
A FAO não disse nada que já não tivesse sido dito pelas autoridades cabo-verdianas, tendo-se limitado a introduzir Cabo Verde na lista dos países que podem necessitar de uma assistência externa para fazerem face à situação de ausência de chuvas durante a campanha agrícola de 2017. Admira-me que tanta gente se tenha espantado agora quando, em 2017, tendo o Governo declarado o estado de crise hídrica e tendo feito outras declarações públicas nomeadamente em relação aos montantes de ajuda já conseguidos ou negociados ou mesmo já entrados nos cofres não tenham tido qualquer reação.
A constatação da FAO é o resultado do trabalho conjunto feito pela organização, juntamente com as autoridades nacionais e os representantes do CILSS. É um trabalho que se faz todos os anos desde há já algumas décadas e não é a primeira vez que Cabo Verde aparece na lista dos países que necessitam de assistência externa para fazerem face às necessidades alimentares da sua população. Aliás, a divulgação das conclusões das missões de avaliação FAO – Governo _ CILSS constitui um passo indispensável para se conseguirem decisões firmes de ajuda alimentar. Se a FAO não disser que Cabo Verde precisa de assistência alimentar externa ninguém vai prestar ajuda alimentar ao país.
Mas o que foi dito pela FAO já havia sido dito pelas próprias autoridades de Cabo Verde e as declarações públicas produzidas podem ser consultadas tanto na imprensa impressa como “online” nacional e internacional. Assim, o problema não pode residir numa discussão estéril sobre se será ou não verdade ou se a responsabilidade cabe ao atual Governo ou aos anteriores, se ao MPD ou ao PAICV, chamando os bois pelo nome próprio. A discussão deve ser conduzida para outro nível.
Do ponto de vista pluviométrico, o ano de 2017 representou, para Cabo Verde, um ano de secura extrema. Estimou-se, então, que o país somará 40.000 vulneráveis em relação ao biénio 2017-18 e, caso não chova de novo, 140.000 para o biénio 2018-19. Cabo Verde tem uma longa história de crises, fomes, mortandades e epidemias, resultantes das secas e da inadequação das políticas públicas que deveriam proteger as populações de tais sofrimentos recorrentes.
Nos últimos quarenta e dois anos raros foram verdadeiros bons anos agrícolas. Apesar das secas, as crises alimentares têm sido atenuadas ou anuladas pelas medidas de importação de alimentos e de criação de condições de acesso material e económico das populações aos bens alimentares.
Após a Independência do país em 1975, as medidas de prevenção e gestão das crises alimentares foram particularmente eficazes, o que se traduz numa redução efetiva e acentuada das taxas de malnutrição aguda e crónica e redução acentuada das taxas de mortalidade, em particular a infantil, apesar da acentuada redução dos níveis pluviométricos e das colheitas. Contudo, A MAIOR PARTE DA POPULAÇÃO DE Cabo Verde, aquela que depende da agricultura para a garantia da sua segurança alimentar, continua a viver num quadro permanente de grande vulnerabilidade.
Para 2017 e tomando em conta os números avançados entre 40 000 e 140 000 pessoas estarão em situação em situação de risco. Considerando o salário mínimo nacional de 12 000$00, seriam necessários, para um período de dez meses, um montante de 4 800 000 000$00, 4,8 Milhões de contos, a 16,8 Milhões de contos como rendimento necessário. Esses montantes representam entre 3% e 11% do PIB a preços de mercado em 2015. Trata-se de valores que com uma reorientação das prioridades em ano de crise Cabo Verde pode suportar sem estar permanentemente de mãos estendidas à caridade internacional. Só a Taxa Turística cobrada a cada turista por cada noite de estadia nos hotéis deverá ter rendido, em 2017 cerca de 1 Milhão de contos[1]. Já é tempo de pensarmos em criar um fundo de Reserva para épocas de crise que pudesse ser alimentado por uma percentagem dos impostos e taxas que o Estado cobra anualmente.
Entretanto, haverá que rapidamente desenvolver os sectores e as ilhas onde realmente se pode criar empregos e rendimentos, desligando a população em situação de risco da dependência da agricultura de sequeiro, consequentemente, da aleatoriedade das chuvas. Neste processo é preciso deixar de lado a miragem das barragens. As que já estão construídas haverá que procurar usar a água criteriosamente mas não se deverá voltar a gastar tão importantes somas em processos de produção de águas tão pouco eficientes em razão do regime pluviométrico prevalecente em Cabo Verde.
Os Governos devem deixar de fazer campanha política com o salvamento do gado e aplicar verdadeiras medidas de reconversão da pecuária. No caso de Cabo Verde desde logo se coloca quais as espécies que são usadas quotidianamente para a alimentação dos camponeses. Uma coisa é evidente. Não são os bovinos. Tendo em conta o clima de Cabo Verde, a criação de bovinos comporta riscos que a esmagadora maioria dos camponeses não está em condições de superar. A criação de bovinos não deve ser estimulada. Quem tenha os meios para os sustentar e correr os riscos por conta própria que o faça. Em 1977 o Governo deu um sinal claro do caminho que deveria ser seguido. Infelizmente essa orientação acabaria por ser abandonada o que viria mais tarde, a desembocar nas situações vividas em 2014 e atualmente em 2017/2018.


[1] 4.597.477 Dormidas a multiplicar por 2 Euros por Noite equivale a 9.194.954 Euros

quinta-feira, 3 de maio de 2018

SANTA CRUZ
Primeiro foi o Monquito que me contou a história da festa de Santa Cruz. Monquito era o nominho de casa por que era conhecido o Sr. José Brito Gomes. Este nominho viera-lhe pelo facto de a mãe desejar dar à luz uma menina a quem já tinha predestinado o nome de Mónica. Em cabo-verdiano Mónica equivale a Monca que dá o diminutivo Monquinha. No entanto, verificado o sexo do recém nascido, a mãe teve de se adaptar e passou a chamar o filho pelo diminutivo Monquito. Há quem tenha argumentado que se trata da união de Mone e Quito, irmão Quito o que também pode ser embora o equivalente a José em cabo-verdeano seja Djô ou Djósa e Quito seja sufixo diminutivo em Francisquito.
Eu já tinha reparado que a Festa de Santa Cruz tem algumas características muito especiais, pelo menos na Boa Vista. É uma festa essencialmente de rua. Mete uma figura de um boi a quem é permitido fazer uma série de diabruras que, normalmente, não são permitidas a qualquer pessoa, mormente a um boi. É ele que prende os espectadores e obriga-os ao pagamento de uma multa.
A primeira informação de Monquito que chamou a minha atenção foi a afirmação de que Santa Cruz era festa de negros escravos. Ele Monquito, havia já muitos anos que desempenhava as funções de Mordomo da festa. Esta função cabia-lhe de direito por ser uma função reservada aos proprietários brancos e por ser ele, ao que parecia acreditar, o último representante da classe dos proprietários antigos. Ele explicou-me que no dia de Santa Cruz os proprietários concediam liberdade total aos escravos para brincarem à sua maneira. Os proprietários vinham em grande número do interior, Salamansa, Bela Dita, Curral Velho, Stancha, etc., com os seus escravos que faziam o seu batuque, dançavam e comiam até tarde. Informou-me, igualmente, que eram os brancos que cozinhavam nesse dia (esta afirmação não foi corroborada por meu pai que no resto se mostrou de acordo).
Recentemente, no dia de Santa Cruz, calhou encontrar-me no Sal com um amigo galego, António Loureiro, que me explicou que na terra dele, o dia de Santa Cruz é o dia dos bois (em geral dos animais de trabalho que se usavam antigamente na lavoura). Que nesse dia os bois não são levados ao campo para trabalhar, sendo o dia consagrado a eles. Disse-me que o dia dos camponeses é o dia de Santo Isidro (dia dedicado aos homens). A consagração do dia de Santa Cruz aos escravos parece, assim, derivar da assimilação destes às bestas de carga e, por analogia com as regiões de onde eram originários os proprietários brancos, terão começado, igualmente, a conceder-lhes o dia de Santa Cruz como seu dia Santo, dia do seu Padroeiro. E daí, pode-se concluir, o enraizamento desta festa na alma popular cabo-verdiana. É uma festa do povo e festejada na rua.
Os antropólogos estudam com atenção esse tipo de fenómenos frequentes em sociedades ditas segmentadas. Uma vez por ano o poder é derrubado (sob sua própria supervisão e controlo) para voltar revigorado e com muita mais força e legitimidade uma vez terminados os folguedos. Nas festas do Carnaval as chaves da cidade são simbolicamente entregues ao rei dos foliões.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Voz di Povo 8 de Outubro de 1977. Governo toma medidas para proteger agricultores. O jornal publica o comunicado do MDR anunciando as medidas de apoio aos criadores para a proteção da pecuária. O Governo anunciava a criação de centros de compra de bovinos para abate, permitindo aos criadores reduzirem a dimensão do seu gado ajustando-o às suas possibilidades de fornecimento de alimentos aos animais e às necessidades de reconstituição passada a seca. GOVERNO TOMA MEDIDAS PARA PROTEGER AGRICULTORES “Foi enviado aos órgãos de Informação do nosso país um importante comunicado do Ministério do Desenvolvimento Rural sobre a política que o Governo pensa adotar em relação à pecuária. Pela sua importância passamos a reproduzi-lo: “Neste nono ano de seca consecutiva, um dos sectores que mais vai sofrer é o da pecuária. A falta de pastos e de água são problemas que não se resolvem facilmente. A nossa pecuária depende exclusivamente dos pastos naturais, geralmente de má qualidade e insuficientes, resultado dos longos anos de exploração sem método e de nenhum trabalho de melhoramento. “Não chovendo, o nosso pequeno criador desfaz-se do seu gado vendendo-o ao desbarato. Neste momento, o agricultor desanimado vende um boi que há 2 meses lhe podia render 8 contos, por 2 contos ou menos. Embora esta situação denote um certo alarmismo pois a situação real não é ainda tão má a esse ponto, além de o Governo estar, através do Ministério do Desenvolvimento Rural, preparando-se opara garantir a sobrevivência de um efetivo mínimo que permita a reconstituição rápida dos nossos rebanhos passada a seca, o certo é que não podemos permitir que alguns indivíduos disso tirem proveito, especulando com a situação difícil dos nossos camponeses. “Assim, e entre outras medidas em curso de elaboração, mas cujos efeitos só começarão a sentir-se uma pouco mais tarde, leva-se a conhecimento dos criadores dispostos a vender bovinos para abate que a partir do dia 7 de Outubro corrente, funcionarão em Santiago os seguintes postos de compra: “Concelho da Praia – Postos Pecuários da Variante e S. Domingos; Concelho de Santa Cruz – Empresa Estatal “Justino Lopes” e Posto Pecuário de S. Jorge dos Órgãos; Concelho de Santa Catarina – Propriedade estatal de Chã de Tanque; Concelho do Tarrafal – Empresa Estatal “Ernestina Silá” em Chão Bom. “ A fim de salvaguardar o interesse dos criadores o preço de compra será de 20$00 o quilo de peso vivo. “É evidente que tal medida não deve ser encarada como uma possibilidade aberta aos criadores para se libertarem do problema da manutenção do seu gado na atual situação de crise. Cada um deverá fazer os esforços necessários para manter o mínimo de cabeças que lhe permitirão depois refazer os seus rebanhos. A possibilidade de vender um certo número de animais a preços justos permitirá comprar alimentos para os que pretendam conservar.