CABO VERDE, SECAS E CRISES NO PÓS
INDEPENDÊNCIA – A CRISE 2017/2018
A divulgação do Boletim
Trimestral da FAO “Perspetivas de Colheitas e Situação Alimentar” em Junho de
2018 levantou uma onda de intervenções políticas em Cabo Verde com o Governo a
dizer que Cabo Verde não está em situação de risco alimentar e certas oposições
a tentarem tirar proveito das notícias veiculadas, enquanto outros (comentadores) também lá vão tentando meter sua colher no prato. De
facto, o que a FAO disse foi o seguinte:
“Cabo Verde
Poor performance of the
2017 agro‑pastoral cropping season caused significant loss of livelihoods
According to the March 2018 “Cadre
Harmonisé” analysis, about 192 000 people, 35 percent of the population, are
estimated to be in need of food assistance from March to May mainly due to
pasture and agricultural production deficits. This figure is expected to
decrease to 80 000 people during June to August thanks to the onset of the
rainfalls. “
A FAO não disse nada que já não
tivesse sido dito pelas autoridades cabo-verdianas, tendo-se limitado a
introduzir Cabo Verde na lista dos países que podem necessitar de uma assistência
externa para fazerem face à situação de ausência de chuvas durante a campanha
agrícola de 2017. Admira-me que tanta gente se tenha espantado agora quando, em
2017, tendo o Governo declarado o estado de crise hídrica e tendo feito outras
declarações públicas nomeadamente em relação aos montantes de ajuda já
conseguidos ou negociados ou mesmo já entrados nos cofres não tenham tido
qualquer reação.
A constatação da FAO é
o resultado do trabalho conjunto feito pela organização, juntamente com as
autoridades nacionais e os representantes do CILSS. É um trabalho que se faz
todos os anos desde há já algumas décadas e não é a primeira vez que Cabo Verde
aparece na lista dos países que necessitam de assistência externa para fazerem
face às necessidades alimentares da sua população. Aliás, a divulgação das
conclusões das missões de avaliação FAO – Governo _ CILSS constitui um passo
indispensável para se conseguirem decisões firmes de ajuda alimentar. Se a FAO
não disser que Cabo Verde precisa de assistência alimentar externa ninguém vai
prestar ajuda alimentar ao país.
Mas o que foi dito pela FAO já
havia sido dito pelas próprias autoridades de Cabo Verde e as declarações
públicas produzidas podem ser consultadas tanto na imprensa impressa como “online” nacional e internacional. Assim,
o problema não pode residir numa discussão estéril sobre se será ou não verdade
ou se a responsabilidade cabe ao atual Governo ou aos anteriores, se ao MPD ou
ao PAICV, chamando os bois pelo nome próprio. A discussão deve ser conduzida
para outro nível.
Do ponto de vista pluviométrico,
o ano de 2017 representou, para Cabo Verde, um ano de secura extrema. Estimou-se,
então, que o país somará 40.000 vulneráveis em relação ao biénio 2017-18 e,
caso não chova de novo, 140.000 para o biénio 2018-19. Cabo Verde tem uma longa
história de crises, fomes, mortandades e epidemias, resultantes das secas e da
inadequação das políticas públicas que deveriam proteger as populações de tais
sofrimentos recorrentes.
Nos últimos quarenta e dois anos
raros foram verdadeiros bons anos agrícolas. Apesar das secas, as crises
alimentares têm sido atenuadas ou anuladas pelas medidas de importação de
alimentos e de criação de condições de acesso material e económico das
populações aos bens alimentares.
Após a Independência do país em
1975, as medidas de prevenção e gestão das crises alimentares foram
particularmente eficazes, o que se traduz numa redução efetiva e acentuada das
taxas de malnutrição aguda e crónica e redução acentuada das taxas de
mortalidade, em particular a infantil, apesar da acentuada redução dos níveis
pluviométricos e das colheitas. Contudo, A MAIOR PARTE DA POPULAÇÃO DE Cabo
Verde, aquela que depende da agricultura para a garantia da sua segurança
alimentar, continua a viver num quadro permanente de grande vulnerabilidade.
Para 2017 e tomando em conta os
números avançados entre 40 000 e 140 000 pessoas estarão em situação em
situação de risco. Considerando o salário mínimo nacional de 12 000$00, seriam
necessários, para um período de dez meses, um montante de
4 800 000 000$00, 4,8 Milhões de contos, a 16,8 Milhões de
contos como rendimento necessário. Esses montantes representam entre 3% e 11%
do PIB a preços de mercado em 2015. Trata-se de valores que com uma
reorientação das prioridades em ano de crise Cabo Verde pode suportar sem estar
permanentemente de mãos estendidas à caridade internacional. Só a Taxa
Turística cobrada a cada turista por cada noite de estadia nos hotéis deverá
ter rendido, em 2017 cerca de 1 Milhão de contos[1].
Já é tempo de pensarmos em criar um fundo de Reserva para épocas de crise que
pudesse ser alimentado por uma percentagem dos impostos e taxas que o Estado
cobra anualmente.
Entretanto, haverá que
rapidamente desenvolver os sectores e as ilhas onde realmente se pode criar
empregos e rendimentos, desligando a população em situação de risco da
dependência da agricultura de sequeiro, consequentemente, da aleatoriedade das
chuvas. Neste processo é preciso deixar de lado a miragem das barragens. As que
já estão construídas haverá que procurar usar a água criteriosamente mas não se
deverá voltar a gastar tão importantes somas em processos de produção de águas
tão pouco eficientes em razão do regime pluviométrico prevalecente em Cabo
Verde.
Os Governos devem deixar de fazer
campanha política com o salvamento do gado e aplicar verdadeiras medidas de
reconversão da pecuária. No caso de Cabo Verde desde logo se coloca quais as
espécies que são usadas quotidianamente para a alimentação dos camponeses. Uma
coisa é evidente. Não são os bovinos. Tendo em conta o clima de Cabo Verde, a
criação de bovinos comporta riscos que a esmagadora maioria dos camponeses não
está em condições de superar. A criação de bovinos não deve ser estimulada.
Quem tenha os meios para os sustentar e correr os riscos por conta própria que
o faça. Em 1977 o Governo deu um sinal claro do caminho que deveria ser
seguido. Infelizmente essa orientação acabaria por ser abandonada o que viria
mais tarde, a desembocar nas situações vividas em 2014 e atualmente em 2017/2018.
Nós é que pedimos
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